Dos quatro algoritmos das operações básicas, o algoritmo da divisão é, sem dúvida alguma, aquele que os professores mais encontram dificuldades para ensinar e, os alunos, para aprender. Muitos estudantes não compreendem o processo e sentem bastante dificuldade em realizar cálculos de divisão. Qual é o segredo para aprender divisão de forma a ter compreensão do processo?
Os professores, em geral, quebram a cabeça pensando em formas mais fáceis para ensinar a divisão no ensino fundamental. Muitos lançam mão de artimanhas e histórias inventadas para justificar os passos da divisão; a grande maioria mostra os procedimentos do cálculo sem explicar a lógica do processo. Mas uma pergunta sempre me vem à mente: “Será que os próprios professores compreendem tal algoritmo?”
Em conversas informais com docentes, percebo que a maioria ensina a conta de dividir mecanicamente e, talvez, nunca tenha parado para refletir sobre o porquê de cada passo. Provavelmente você, professor, assim como eu, tenha aprendido a utilizar o algoritmo de forma mecânica, mas isso não significa que tenhamos que ensiná-lo de igual maneira.
Você já procurou na literatura como ensinar a divisão, passo a passo? Eu já investiguei exaustivamente e, vou lhe dizer, pude garimpar um detalhezinho aqui e outro ali. Através de muita reflexão e das poucas informações que encontrei, consegui criar uma estratégia bem interessante, que com auxílio de material concreto, pode ser utilizada no processo de ensino-aprendizagem da operação de divisão com sucesso.
Entender o algoritmo da divisão, os termos e as etapas de execução traz vantagens para o aluno, pois esses conhecimentos permitem controlar o processo do cálculo, analisar os erros por ventura cometidos e, também, avaliar se a resposta final faz ou não sentido. Além disso, quando o estudante realiza atividades com compreensão sente-se mais seguro e motivado para avançar.
Antes, porém, de partir para o algoritmo da divisão, é imprescindível propor às crianças problemas de matemática que possam ser resolvidos de forma concreta e que envolvam as ideias da divisão, que são duas: a partição e a medição.
Os estudantes devem ter a oportunidade de resolver uma grande variedade de situações-problema a fim de que, posteriormente, ocorra a formalização da operação. É muito importante que o professor conheça e domine as duas ideias para propor atividades que as contemplem e, também, para escolher qual delas irá utilizar quando da introdução do algoritmo.
Ideias da divisão
Não sei, professor, se você já se deu conta que, ao fazer questionamentos às crianças em uma divisão, está dando ênfase a uma das ideias. Vou exemplificar com a operação 8 ÷ 2. Se perguntar aos alunos “Quantas vezes o 2 cabe no 8?” é a ideia da medição que está evidenciada. Agora, se questionar da seguinte forma: “Ao repartir 8 balas entre 2 crianças quantas balas cada criança receberá?” estará enfatizando a ideia da partição.
Na construção do algoritmo é muito importante, pelo menos nas explicações iniciais, optar por uma das duas falas para não confundir as crianças. Você verá, mais abaixo, que optei pela ideia da partição para questionar e justificar as etapas da conta de dividir.
Agora, vou explicar melhor cada uma das ideias da divisão. Comecemos com a partição: na divisão partição o todo deve ser dividido em um número de grupos pré-estabelecido e é necessário descobrir quantos elementos ficarão em cada grupo. Problemas típicos de divisão partição são os seguintes:
- Se 20 pirulitos serão distribuídos igualmente entre 4 crianças, quantos pirulitos cada criança receberá?
- Tenho 18 flores e vou reparti-las igualmente entre 6 vasos. Quantas flores colocarei em cada vaso?
Já na divisão medição o todo deve ser dividido em grupos e é conhecida a quantidade de elementos de cada grupo. É preciso descobrir, então, quantos grupos serão formados. As duas situações-problema que seguem exemplificam essa ideia:
- Há 17 alunos na sala e o professor deseja que as crianças formem grupos de 5 pessoas cada. Quantos grupos serão formados? Sobrarão alunos?
- Márcia colheu 28 maças e quer guardá-las em cestos. Se em cada cesto ela colocará 7 maçãs, descubra quantos cestos serão utilizados.
Algoritmo da divisão
Bem, na medida em que aumentam os números envolvidos nas situações-problema, fica inviável a resolução das mesmas por meio de desenhos ou esquemas. É exatamente para isso que serve o algoritmo, ou seja, para auxiliar na busca da solução com praticidade, eficiência e rapidez quando métodos mais simples não dão conta do recado.
Todavia, o sucesso da aprendizagem do processo de cálculo da divisão depende, também, do domínio das regras do sistema de numeração decimal e das operações de adição, subtração e multiplicação. Não posso deixar de mencionar que saber a tabuada é imprescindível!
Normalmente ensina-se o algoritmo tradicional da divisão, todavia ele não é o único processo para realizar tal operação. Os próprios alunos podem, inicialmente, criar algoritmos alternativos para dividir e, desta forma, estarão refletindo sobre a divisão e buscando compreender o processo como um todo. Outro método não tradicional para dividir é o das subtrações sucessivas, que faz uso de estimativas e parte das relações entre a divisão e a subtração.
Após a exploração das ideias da divisão e a resolução de problemas através de desenhos e/ou esquemas e/ou processos alternativos é hora de partir para o algoritmo tradicional. A estratégia que explico a seguir, como já mencionei, baseia-se na ideia da divisão partição e utiliza como material concreto dinheirinho de brinquedo.
Para iniciar, é preciso providenciar, para cada dupla ou trio de alunos, cédulas fictícias de 100 reais e de 10 reais e moedas fictícias de 1 real. Esses materiais podem ser adquiridos no comércio ou confeccionados em papel. Apenas essas espécies estarão envolvidas no trabalho sendo que, nas divisões propostas, as trocas devem ser feitas da seguinte forma: 1 cédula de 100 por 10 cédulas de 10 e 1 cédula de 10 por 10 moedas de 1.
Também é necessário dispor de meia folha de cartolina que será dividida em quatro partes (sem corte). Para separar cada parte, além de traçar uma reta, é preciso fazer um vinco no local. Na borda superior de cada uma das partes da cartolina, devem ser desenhados ou colados personagens quaisquer, à escolha da criança. A cartolina servirá para guardar o montante destinado a cada um dos personagens, visto que as operações sempre referir-se-ão à divisão de alguma quantia entre dois, três ou quatro personagens.
Isso quer dizer que, se o cálculo tiver 2 no divisor, apenas dois personagens farão parte da divisão e os outros dois ficarão escondidos. Para esconder os personagens basta dobrar a cartolina para trás, em um dos vincos já feitos.
Seja, por exemplo, a operação 42 ÷ 2. Então, as crianças tomam quarenta e dois reais, deixam à mostra dois personagens, e iniciam a divisão do dinheiro. As etapas do trabalho são registradas no algoritmo.
Num primeiro momento, ocorre a divisão das notas de dez: serão duas para cada personagem. Após realizar essa ação, é registrado o número 2 no quociente, abaixo da letra de D de dezena. Em seguida faz-se a operação 2x2=4 para confirmar o total distribuído, visto que foram feitos dois grupos de duas notas de dez cada. A subtração 4-4=0 indica que não sobrou nota de dez para ser redistribuída.
Em seguida, abaixa-se o 2 porque a divisão, agora, é dos dois reais. Repartem-se os 2 reais entre os personagens e cada um receberá uma moeda de 1 real. Após a distribuição das moedas, ocorrerá o registro do 1 abaixo da letra U de unidade (no quociente). O professor enfatiza, novamente, que a operação 2x1=2, realizada entre o divisor e o quociente, tem o objetivo de verificar o total distribuído nesta etapa e a subtração 2–2=0 mostra que não restou moeda de 1 real. Então, cada personagem recebeu 21 reais.
Seja, agora, a divisão 41 ÷ 3, em que quatro notas de 10 e mais uma moeda de 1 devem ser divididas entre três personagens. Em primeiro lugar dividem-se as notas de 10 ficando uma para cada personagem. O cálculo 3x1=3 confere o total distribuído (3 grupos com uma nota de dez cada) e a subtração 4-3=1 mostra que sobrou uma nota de dez reais.
Para que o processo de divisão continue, a nota de dez que sobrou deve ser trocada por dez moedas de 1. Então abaixa-se o 1 (unidade) do dividendo que formará o número 11, visto que serão, agora, 11 (10+1) moedas de 1 para serem distribuídas.
Onze reais divididos por três resulta três e sobram 2, ou seja, cada personagem receberá 3 moedas e restarão 2 reais. As operações 3x3=9 e 11-9=2 finalizam o algoritmo. O resultado da divisão é 13 reais para cada personagem e sobram 2 reais.
As operações de divisão em que o dividendo ou o quociente possuem zeros intercalados ou terminam em zero(s) são as mais problemáticas para os alunos. As dificuldades surgem porque as crianças, normalmente, apenas seguem uma sequência de etapas desprovidas de significado. Com o uso dessa estratégia, vai ser muito fácil resolver qualquer divisão, mesmo as mais difíceis!
Seja, por exemplo, 204 ÷ 2. O primeiro passo é tomar duas cédulas de 100 e quatro moedas de 1 real e dobrar a cartolina para que ela mostre apenas dois personagens. Em seguida começa a divisão: 2 cédulas de 100 reais divididas entre dois personagens resulta em uma cédula para cada personagem e não sobra cédula de 100 reais. No algoritmo, o número 1 vai abaixo da letra C de centena (quociente), pois indica que uma centena foi distribuída para cada personagem; 2x1=2 é o cálculo feito para confirmar o todo distribuído e 2-2=0 é a conta que mostra quanto sobrou dessa divisão.
Na sequência, abaixa-se o zero da dezena, ou seja, uma nova divisão deverá ser feita. Nenhuma nota de dez dividida entre dois dá como resultado zero notas de dez para cada personagem e esse número é colocado no quociente, abaixo da letra D de dezena. Neste passo, pode-se fazer 2x0=0 e 0-0=0.
Depois, abaixa-se o número 4 para indicar que, agora, é a vez de dividir 4 unidades entre os personagens. Assim, 4 reais divididos entre dois resulta em dois reais para cada personagem e não sobram moedas de 1 real (unidades). Então, 204 ÷ 2=102 e não há sobra.
Vamos analisar, agora, o cálculo: 300 ÷ 3. Três cédulas de 100 são distribuídas a três pessoas, então cada uma recebe uma cédula.
Depois, é a vez de pensar em repartir as dezenas, por isso, abaixa-se o zero (dividendo). Ocorre que, dividindo zero dezenas (nenhuma nota de dez) entre três, dá como resultado zero e, então, coloca-se zero no quociente, abaixo da letra D de dezena. Abaixa-se, então, o zero das unidades (dividendo) e, mais uma vez, zero moedas de 1 real distribuídas entre três resulta zero. Assim, cada personagem recebeu 100 reais e não houve sobra.
Como último exemplo, seja 811 ÷ 4, em que oito notas de 100, uma nota de 10 e uma moeda de 1 devem ser distribuídas entre quatro personagens. Para facilitar ainda mais o entendimento das explicações descrevo, abaixo, um possível diálogo entre o professor e a turma:
Professor: Temos 8 notas de cem e queremos reparti-las igualmente entre quatro pessoas. Quantas notas de cem poderemos dar a cada pessoa?
Alunos: Duas.
Professor: Distribuímos 2 notas de cem para cada pessoa e não houve sobra. Vamos agora dividir a nota de dez (“abaixa” o 1 do dividendo). É possível repartir 1 nota de dez entre duas pessoas?
Alunos: Não.
Professor: Então, que número indica que não é possível dividir igualmente?
Alunos: Zero.
(O professor escreve o número zero abaixo da letra D - quociente)
Professor: A nota de dez que não foi distribuída deve ser trocada por 10 moedas de um real que vamos juntar com a outra que já temos (“abaixa” o 1 do dividendo); resultam 11 moedas de um real. Ao realizar a divisão, quantas moedas de um real cada personagem irá receber?
Alunos: Duas.
Professor: Qual é o resto dessa conta?
Alunos: Três, pois sobraram 3 reais.
Após a proposição de outras situações semelhantes de divisão com o uso do material, as crianças irão compreendendo as etapas do algoritmo e adquirindo confiança no processo.
Sem demora o material pode ser abandonado e a representação, quando necessária, será feita apenas através de desenho esquemático.
A partir da análise do algoritmo, o professor pode conduzir a turma a concluir que:
- a operação é realizada da esquerda para a direita pois, dessa forma, são possíveis as trocas;
- o dividendo representa o todo, o valor ou a quantia a ser dividida; o divisor refere-se ao número de partes em que o todo será distribuído (partição); o quociente representa o número de elementos que coube a cada parte após a divisão (partição) e o resto indica o que sobrou;
- o resto tem que ser sempre menor que o divisor e, consequentemente, cada algarismo colocado no quociente será menor ou igual a 9;
- dividendo = (divisor x quociente) + resto.
A estratégia descrita traz resultados positivos no que se refere à aprendizagem e compreensão do algoritmo tradicional da divisão, pois a divisão fica contextualizada e os passos do algoritmo justificados.
O uso das cédulas e moedas facilita ainda mais o entendimento já que o dinheiro é, desde cedo, conhecido e utilizado pelas crianças. Cabe salientar que as cédulas podem muito bem ser substituídas pelo material dourado sendo que as explicações com este material são muito similares àquelas detalhadas anteriormente.
Depois de o algoritmo estar bem compreendido, o material concreto e o desenho devem ser dispensados. Neste outro momento, sem o material, a criança vai estabelecendo relações mentais e associando o concreto manuseado anteriormente ao algoritmo em divisões com divisores menores que dez.
Para as operações de divisão com dois algarismos no divisor é interessante, no princípio, construir com os alunos uma tabela de produtos (linha x coluna), tal como apresentado abaixo, para ser afixada na sala de aula e consultada sempre que necessário.
A construção da tabela pode ser feita de forma coletiva e com o auxílio de calculadoras e canetões coloridos. Para isso, os alunos organizam-se em pequenos grupos e cada grupo fica responsável por completar uma linha da tabela, que terá linhas com diferentes cores para facilitar a visualização.
A tabela auxiliará nos cálculos com divisores de 11 a 19 e tem a função de ajudar a encontrar os produtos que se aproximam do número que será dividido em cada etapa do algoritmo. Vamos ver como utilizá-la através do cálculo 7534÷12 e do diálogo que segue:
Professor: É possível repartir 7 entre 12?
Alunos: Não.
Professor: Então vamos tomar 75. E agora, podemos repartir 75 entre 12?
Alunos: Sim, podemos.
Professor: Qual é o resultado de 75 dividido por 12, ou seja, qual é o número que multiplicado por 12 resulta em 75?
(Os alunos observam na tabela de produtos que estão na linha do 12 e verificam que o número procurado é 72, obtido através do cálculo 12x6. Isso significa que, ao se repartir igualmente 75 centenas entre 12 partes, ficam 6 centenas para cada parte e sobram 3 centenas).
Professor: Vamos abaixar o 3 e o que temos agora é o número 33 que deve ser dividido por 12.
Professor: Há o número 33 na linha do 12 da tabela?
Alunos: Não há.
Professor: Então qual é o número mais próximo de 33 que não o ultrapassa?
Alunos: É o 24.
Professor: Qual é o produto que resultou em 24 nesta linha da tabela?
Alunos: 12x2
Professor: Então vamos colocar o 2 no quociente e fazer o cálculo 33-24.
Professor: Vamos agora abaixar o 4 e realizar a divisão de 94 por 12.
Professor: Como não há 94 na linha do 12 da tabela, qual é o número que mais se aproxima de 94 nesta linha? Qual é o produto que resulta neste número?
Alunos: É o 84, resultado do produto 12x7.
Professor: Certo, então vamos colocar o 7 no quociente e fazer o cálculo 94-84.
Professor: Qual é o resultado do cálculo? Sobra resto?
Alunos: O resultado é 627 e o resto é 10.
Observe, professor, que neste último exemplo não foi apresentado desenho algum e nem as letras que nomeiam as casas ou ordens dos números (no dividendo e no quociente), tal como feito nas primeiras divisões. Estamos caminhando para um processo mais mecânico e econômico, pois supõe-se que o algoritmo já tenha sido construído e compreendido pelos estudantes.
A tabela é utilizada apenas por algum tempo, enquanto forem propostos cálculos com divisores até 19, para facilitar a busca pelos algarismos do quociente e solidificar os passos do algoritmo. Depois, sem ela, essa procura ficará a cargo do aluno, que tanto mais terá sucesso quanto maior for seu domínio das tabuadas e sua experiência com estimativas e cálculo mental. Sugiro propor à turma vários cálculos com a tabela para, em uma próxima etapa, retirá-la da visualização quando forem apresentadas operações com divisores maiores que 19.
Utilizar com destreza o algoritmo da divisão é muito importante, pois ele é uma ferramenta de cálculo ágil e eficaz. Não podemos esquecer que existem vários métodos de divisão, cada qual com suas peculiaridades, e que cumprem perfeitamente bem sua tarefa. A escolha de um ou outro método não deve excluir outro(s) que os alunos dominem. Porém, mais importante que o algoritmo puro e simples é a compreensão da divisão e das ideias a ela associadas.
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Clarice Lima Ferreira
30/05/2017 17:43
Roselice
01/06/2017 18:15
Wilma Araújo
28/09/2017 07:24
sandra
18/08/2022 12:08